Alma Carioca

Chegou caminhando devagar, como fazia todos os dias. Sentou-se no banco de sempre, e começou a atirar migalhas de pão aos pombos. Essa rotina já durava alguns anos, só interrompida nos dias de chuva. Esses dias eram tristes e tediosos para um aposentado com mais de 65 anos de idade, que não tinha parentes morando próximo.

Severino, ou Bill, como era conhecido desde a tenra idade, chegou a Cidade Maravilhosa com apenas 16 anos, fugindo da seca que maltratava o sertão paraibano. Começou a trabalhar na construção civil, onde permaneceu até se aposentar.

Ao sentar naquele banco, o seu predileto, olhou para o céu azul rajado de nuvens brancas, que contrastava com a escura silhueta dos arranha-céus que cresceram no centro do Rio de Janeiro, e que Bill conhecia tão bem, por ter ajudado na construção de vários deles. Aquele que estava a sua frente, ali no Largo da Carioca, onde os pombos o cercavam aguardando sua oferenda diária, ocupava lugar especial em sua vasta memória: fora naquela obra, que conhecera o grande amor de sua vida.

A moça fora incumbida de entregar o almoço, ou a “marmita”, para os trabalhadores daquele canteiro de obras, e Bill encantou-se por ela desde a primeira vez que a viu. Madalena era seu nome. Saber que aquela moça de tez alva e cabelos negros, que ficavam ocultados sob o lenço que usava na cabeça, e com seu olhar penetrante de menina-moça, era o maior estímulo para que continuasse trabalhando naquele local, mesmo com o baixo salário.

Os encontros rápidos na hora do almoço deram lugar, a encontros escondidos e mais demorados após o expediente, e em seguida, a um namoro sério, com permissão do pai da moça. Não demorou muito estavam casados e felizes. Felicidade esta que teve fim a pouco mais de dois anos, com seu falecimento. O casal não conseguiu ter filhos, por falta de recursos da medicina da época, pelo menos para os menos abastados. Bill então ficara solitário. Vendeu a casa onde morava com sua esposa e passou a viver numa pensão para homens solteiros, situada na Praça Tiradentes.

Sua rotina então era esta: pela manhã tomava um cafezinho no bar da esquina, caminhava um pouco no Campo de Santana, comprava o jornal na banca da Rua Buenos Aires e direcionava-se para o Largo da Carioca, levando sempre um saquinho de pão ou de biscoito de polvilho, que distribuía aos pássaros, enquanto, olhando aquele belo prédio, revivia todos os dias seu feliz passado. Por volta das onze horas da manhã almoçava em um restaurante na Rua da Carioca. Após o almoço, circulava um pouco mais pelas ruas do centro, ora conversando com algum conhecido, ora como que fiscalizando o que acontecia com os prédios nos quais fizera parte do time que os construíra, e ao fim da tarde, quando o ritmo musical daquela agitação urbana, deixa de ser como cadenciado chorinho para tornar-se algo mais eclético e frenético das noitadas, Bill apanhava uma quentinha no mesmo lugar onde almoçara, e levava para seu quarto na hospedaria, onde mantinha uma pequena TV para assistir as novelas, finalizando assim seu dia, sem a menor esperança de que algo diferente ocorra no dia seguinte.

Mas Bill terá uma grande surpresa quando abrir o jornal e se deparar com sua história em uma dessas páginas cinzentas, escrita carinhosamente por este amigo, que admira muito esse paraibano de alma carioca , que é muito mais carioca que alguns nascidos aqui.

Espero que essas linhas lhe tragam um pouco de alegria, meu velho amigo!

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